O QUE É TER E ASSUMIR A FÉ?
COMO RESPONDER À CRISE DE FÉ DO HOMEM.
“Habemus Papam”
(Temos Papa): é com estas palavras latinas que se costuma anunciar, da
sacada da Basílica de São Pedro, em Roma, a eleição de um novo
Pontífice. Elas são também o título de um filme do cineasta italiano
Nanni Moretti, lançado no início de 2011, no qual o autor, ateu
confesso, tenta pôr a Igreja em xeque-mate.
O
enredo é uma comédia: o papa, recém-eleito, é acometido por uma crise
de pânico ao ter que assumir uma função sem sentido numa instituição
caduca e vazia que sobrevive de fachada. A intenção demolidora do autor
pode ser resumida na resposta que o novo papa, trajando roupas civis e
em fuga pelas ruas de Roma, dá a alguém que lhe pergunta sobre a
profissão que exerce: “Ator!”
Para
Moretti, a Igreja Católica se assemelha a uma peça teatral
ultrapassada, e suas lideranças, a atores que desempenham friamente um
papel que lhes é imposto, mas do qual não entendem o sentido e a validade.
É
inútil negar: a “mãe de todas as crises” por que passa atualmente a
humanidade é a diminuição ou a ausência da fé. Até mesmo nas religiões
fundamentalistas, nas quais as pessoas matam em nome de Deus; o que as
move não é o compromisso com uma sociedade fraterna e solidária –
suporte de toda crença que se preze –, mas ideologias alicerçadas no
medo e na insegurança, que as impedem de dialogar e de conviver com o
diferente, visto como ameaça.
Não
foi por nada que o Papa Bento XVI convocou a Igreja Católica para dois
grandes acontecimentos em 2012. Primeiramente, o Sínodo dos Bispos, a
ser realizado durante o mês de outubro, com o tema: “A nova
evangelização para a transmissão da fé cristã”. E, durante o Sínodo, no
dia 11, o lançamento do “Ano da Fé”,
comemorando a passagem do 50º aniversário do início do Concílio
Vaticano II (1962/1965). A carta de convocação lembra que «a fé é um dom
que se deve redescobrir, cultivar e testemunhar». E conclui almejando
«que Deus nos conceda saborear a beleza e a alegria de sermos
cristãos!».
O que significa ter e assumir a fé? Uma das respostas mais lapidares dadas pela Bíblia é oferecida pela Carta aos Hebreus: «A fé é a certeza e a posse do que se espera e o conhecimento das realidades que não se veem» (11,1).
Nesse sentido, ela não se identifica simplesmente com o sentimento
religioso, uma sensação de carência que acompanha o ser humano desde o
seu nascimento: sentindo-se pequeno e indefeso diante do desconhecido e
das dificuldades, ele busca fora de si – numa força superior – as
energias que não encontra em seu interior. Nem se resume a um mero
conhecimento intelectual de verdades mais ou menos reveladas, como
ensina São Tiago: «Tu crês que existe Deus? Muito bem: mas também os
demônios creem e... continuam no inferno» (2,19).
Para não definhar e sumir, a fé precisa ser sustentada por uma constante conversão, manifestada por atos concretos: «A fé que não se traduz em obras, morre»
(Tg 2,17). É o que lembram os Bispos latino-americanos, em sua
Conferência de Aparecida, em 2007: «Não resistiria aos embates do tempo
uma fé católica reduzida a uma bagagem, a um elenco de algumas normas e
de proibições, a práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e
parciais das verdades da fé, a uma participação ocasional em alguns
sacramentos, à repetição de princípios doutrinais, a moralismos brandos
ou crispados que não convertem a vida dos batizados. Nossa maior
ameaça é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, no qual,
aparentemente, tudo procede com normalidade, mas, na verdade, a fé vai
se desgastando e degenerando em mesquinhez. A todos nos toca
recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que não se começa a ser
cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com
um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e,
com isso, uma orientação decisiva».
Diante da corrupção e da violência que avançam em toda a parte, cresce o número dos que, a exemplo de São João,
veem «o mundo inteiro sob o poder do Maligno». Contudo, sua alegria e
seu consolo serão grandes se se deixarem envolver pela certeza que
levava o mesmo Apóstolo a bradar: «Esta é a vitória que vence o mundo: a
nossa fé» (I Jo 5,4.19). Certeza que se fundamenta na ressurreição de
Jesus: «Coragem, eu venci o mundo!» (Jo 16,33).
(Texto de Dom Redovino Rizzardo - Bispo de Dourados)